É possível a Usucapião entre Condôminos de Imóveis Rurais?
Quando um imóvel possui mais de um dono há condomínio entre as partes, ou seja, os detentores do direito de propriedade podem usar, gozar, dispor e reaver a coisa. Porém, além de detentores de direito, são detentores de deveres, sendo coobrigados a assegurarem a função social sobre os bens imóveis.
Diante desse cenário, surge a dúvida, quando algum dos detentores do direito de propriedade não cumprem suas obrigações quanto a atributo social de bens imóveis rurais, poderá outro condômino, ao fazê-lo, pleitear a declaração da usucapião?
O art. 1.238 e seguintes do Código Civil Brasileiro, assegura o direito de propriedade sobre imóvel àquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
O parágrafo primeiro do mencionado dispositivo legal ainda reduz o prazo da prescrição aquisitiva para dez anos, quando o possuidor tenha estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
O cabimento da usucapião quando preenchido é assegurado ao possuidor que preencha os requisitos estabelecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo a dúvida se cabe ou não a incidência do instituto entre condôminos.
Alguns doutrinadores afirmam que o condômino não pode usucapir frente aos demais coproprietários, pois a condição condominial exclui a posse com animus domini. Todavia, frente a algumas situações factuais, a usucapião ajuizada por um dos condôminos pode prosperar, quando, por exemplo, há o exercício exclusivo da posse por um dos condôminos do bem a ser usucapido.
A jurisprudência tem, todavia, admitido tal modalidade aquisitiva do domínio em casos especiais, ou seja, desde que a posse do condômino tenha sido exclusiva sobre o bem usucapiendo e com ânimos de dono, caracterizado por atos exteriores que demonstrem a vontade de impedir a posse dos demais condôminos, como se proprietário único do imóvel fosse.
Ainda que haja a copropriedade, a questão, então, tem-se configurada possível a partir do momento em que o condômino demonstrar a inexistência de composse com os outros coproprietários, onde começará a fluir o prazo prescricional aquisitivo da propriedade.
A doutrina entende que o condômino que pleitear usucapião contra seus coproprietários, deverá provar que cessou de fato a composse, estabelecendo posse exclusiva pelo tempo necessário à usucapião extraordinária, com os demais requisitos que esta requer.
Nesse contexto, é claramente possível o reconhecimento da usucapião para um dos condôminos contra os outros quando o condomínio deixa de existir pela posse exclusiva do primeiro que impossibilita a composse pelos demais.
Desta forma, não se trata de composse, mas da posse do todo por um só condômino, que passou a ter a coisa como sua sem oposição, com a exclusão dos outros, possibilitando a incidência da usucapião.
A razão disso é clara, compreende-se que a comunhão, nesse caso, embora existindo de direito, nunca existiu de fato, e passado o tempo estabelecido pela legislação para a prescrição aquisitiva é possível o reconhecimento da usucapião, ainda que contra condôminos.
Nesse mesmo sentido está o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. POSSE DECORRENTE DE SUCESSÃO. CONDIÇÕES. REQUISITOS PRESENTES. Comprovando o condômino que tinha a posse exclusiva de parte do imóvel, com os requisitos aptos a configurar a prescrição aquisitiva, pelo prazo suficiente, com ânimo de dono e sem a oposição de quem quer que seja, em área localizada e identificada, faz jus à declaração da usucapião em seu favor. (TJMG. 18ª Câmara Cível. Apelação nº 1.0604.06.000333-1/001. Rel. Des. Unias Silva, DJ: 22/02/08).
Seguindo esse mesmo entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná assim se posicionou:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CO- PROPRIETÁRIO DE PARTE IDEAL INSCRITA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. POSSE LOCALIZADA E EXERCIDA COM EXCLUSIVIDADE DENTRO DE ÁREA MAIOR PERTENCENTE A VÁRIOS CONDÔMINOS. INTERESSE DE AGIR PARA RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO DE ÁREA CERTA. EXAME DO MÉRITO DA PRETENSÃO PELA CORTE DE APELAÇÃO. ART. 515, § 3º/CPC. POSSE OSTENSIVA. "ANIMUS DOMINI". JUSTO TÍTULO. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. DECLARAÇÃO DO DOMÍNIO. RECURSO ACOLHIDO. 1. Aquele que exerce posse exclusiva sobre determinada área localizada em imóvel maior, do qual é proprietário de parte ideal, mediante título regularmente inscrito no registro imobiliário, detém interesse jurídico para residir em juízo pleiteando o reconhecimento do domínio exclusivo de área certa pelo exercício da posse "ad usucapionem" (art. 3º/CPC), para regular inscrição imobiliária e cancelamento dos registros correspondentes a parte ideal de que é titular. 2. Uma vez cassada a sentença de extinção do processo e encontra-se o feito suficientemente instruído, cabe ao Tribunal de Apelação, apreciar desde logo o mérito da mérito da pretensão (art. 515, § 3º/CPC). 3. Restando suficientemente comprovada a posse dos autores, por si e por seus antecessores, ostensivamente, com "animus domini", pelo lapso temporal previsto em lei, sem qualquer oposição sobre área certa apontada na inicial, e a justo título, resta configurada a usucapião ordinária, na forma do art. 551 c/c art. 552, do Código Civil/1916, imperando-se a declaração do domínio, para regular inscrição no registro imobiliário com o cancelamento dos registros correspondentes às partes ideais que ensejaram a posse localizada.
(...)
(TJ-PR - APL: 6729520 PR 672952-0 (Acórdão), Relator: Juiz Francisco Jorge, Data de Julgamento: 17/08/2011, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 703 26/08/2011)
Que se trata do mesmo entendimento adotado pelo Tribunal da Cidadania, que admite tal possibilidade:
CIVIL. USUCAPIÃO DECLARADA EM FAVOR DE CONDÔMINO. REFLEXOS NA AÇÃO ORDINÁRIA PROPOSTA POR OUTRO CONDÔMINO CONTRA TERCEIRO EM RAZÃO DA MESMA ÁREA. O usucapião de parte certa e determinada de condomínio tem o efeito de, nesta medida, individuar a área desapossada como propriedade exclusiva; já não subsistindo o condomínio, cessa a incidência do artigo 623 do Código Civil. Recurso especial não conhecido.(STJ - REsp: 101009 SP 1996/0043878-1, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 13/10/1998, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 16.11.1998 p. 40LEXSTJ vol. 117 p. 157RDTJRJ vol. 39 p. 66RT vol. 764 p. 175)
USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. PODE O CONDOMINO USUCAPIR, DESDE QUE EXERÇA POSSE PROPRIA SOBRE O IMOVEL, POSSE EXCLUSIVA. CASO, PORÉM, EM QUE O CONDOMINO EXERCIA A POSSE EM NOME DOS DEMAIS CONDOMINOS. IMPROCEDENCIA DA AÇÃO (COD. CIVIL, ARTS. 487 E 640). 2. ESPÉCIE EM QUE NÃO SE APLICA O ART. 1.772, PARÁGRAFO 2. DO COD. CIVIL. 3. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ - REsp: 10978 RJ 1991/0009433-1, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 25/05/1993, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09.08.1993 p. 15228).
Desta forma, é possível afirmar que é plenamente possível um dos condôminos usucapir imóvel rural que se encontrem em condômino, excluindo-se os demais condôminos, desde que esse tenha exercido, de forma exclusiva, a posse do bem com animus domini e cumprido os demais requisitos legais.
Fonte: https://alexandersantos.adv.br/usucapiao-entre-condominos-de-imoveis-rurais1
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